Baseado (sem baseado) num sonho.
Devido à furiosa guerra, a cidade havia se deslocado do mapa e o mundo externo havia se deslocado do coração de suas pessoas. Mas isso não importava porque o jovem agora sentia uma pontada forte no peito, completamente inesperada, como as melhores coisas da vida, aliás, como a própria vida, se vivida direitinho.
Por que? Apesar de todos os desastres a vida dele e do amigo cuja casa agora adentrava estavam boas. Normais e paradas. Depois de depositar seu paletó oficial no porta chapéus que pendia um tanto para a parede do canto esquerdo da sala, e fechar a porta rangente, essa sensação já mencionada o tomou tão completamente quanto o cheiro de madeira, comida e fezes de cavalo que vinha de uma vez lá da copa.
E a cada passo na escada aumentava essa sensação. Passava mal por ela e também por se sentir preso em um clichê.
(Enquanto isso)
A menina deitava indiferente na cama. Seu irmão, com maldade que toda criança tem, a apelidara de vampira, por ser tão branca e por parecer levitar com seu vestido branco sem amarras em qualquer lugar. A verdade é que não sentia vontade de sair, embriagada da tristeza do mundo. Um momento de lucidez, quando ouviu a porta ranger e o porta chapéus pender debilmente sobre o chão de madeira. Também não sabia explicar porque. E igualmente se sentia desconfortável com a relação de causa e efeito estabelecida entre os passos na escada e seu crescente despertar.
A simultaneidade de sensações dos dois não foi igualada pelo momento em que seus olhos se encontraram: as sensações se tornaram uma só.
-Você me entende!
Com a empolgação de uma criança, essa frase foi dita. Não simultaneamente, mas de um só fôlego, por duas bocas que, por um acaso, estavam separadas de ser único ente. A vampira flutuou até o rapaz perplexo e ansioso. O irmão e amigo, que estava sentado em uma cadeira simples, também de madeira, se levantou, mas não conseguiu escapar da dissolução que houve naquele quarto. Se ele foi distorcido e engolido por um vortex, assim como tudo ali, na realidade não se sabe. A realidade era os dois, juntos, cabelos arfantes com um vento impossível, feições rejuvenescendo, volta à infância, até que simultaneamente se tornassem – um. Uno entis.